As
descrições da esquizofrenia e do transtorno bipolar (TBH) enquanto doenças
mentais datam da mesma época. No final do século XIX, o psiquiatra alemão Emil
Kraepelin observou que pacientes até então tratados sob a mesma condição tinham
sintomas e evoluções diferentes, permitindo que fossem separados em dois
grupos. O primeiro ele chamou de doença maníaco-depressiva (atualmente chamada
de transtorno bipolar) e o outro de demência precoce (depois denominada por
Bleuler de esquizofrenia). Para Kraepelin, a diferença fundamental entre os
dois diagnósticos era que os pacientes com TBH apresentavam uma melhor
evolução, com a remissão total dos sintomas e a retomada de suas atividades
entre as crises, enquanto que esquizofrênicos mantinham sintomas residuais
mesmo nos intervalos das crises, caracterizados principalmente por sintomas
negativos, como a perda do interesse, a desmotivação, a apatia e as
dificuldades de socialização e relacionamento. Esta diferença era mais marcante
naquela época, em que tratamentos medicamentosos ainda não estavam disponíveis.
Com o advento do lítio e dos primeiros antipsicóticos na
década de 50, a distância entre o TBH e a esquizofrenia diminuiu
substancialmente, a ponto de casos de TBH serem confundidos com esquizofrenia e
vice-versa. A resposta à medicação passou a influenciar o diagnóstico, com uma
tendência a diagnosticar como bipolares aqueles pacientes que melhor
respondessem e que se recuperassem com o tratamento.
A crise aguda do bipolar pode ser semelhante ao surto
psicótico de um esquizofrênico, principalmente se também ocorrerem delírios e
alucinações, sendo difícil a diferenciação de ambos os diagnósticos nesta fase,
o que se torna mais fácil após o período de crise. O bipolar costuma ter uma
recuperação melhor e voltar às suas atividades de vida mais rapidamente do que
o esquizofrênico, além de não apresentar os sintomas negativos característicos
deste último. Os sintomas cognitivos também são menos impactantes no bipolar do
que no esquizofrênico.
Embora sintomas de humor, como depressão, euforia,
exaltação, raiva e irritabilidade sejam comuns na esquizofrenia, eles são a
alteração fundamental do TBH. São as variações do humor que provocam as crises
de depressão ou mania e que explicam os principais problemas de comportamento,
os delírios e as alucinações dos pacientes bipolares, enquanto o humor, apesar
de influenciar o comportamento do esquizofrênico, não é o causador dos
principais sintomas da esquizofrenia. Isto fica mais evidente ao final da
crise, quando bipolares melhoram dos sintomas com a estabilização do humor e
esquizofrênicos permanecem com delírios, alucinações e sintomas negativos,
apesar do humor aparentemente melhor.
No TBH, portanto, ocorrem episódios mais claros de humor,
como a depressão, a mania (euforia) ou os episódios mistos (mistura de características
depressivas com exaltação do humor), enquanto que na esquizofrenia, apesar das
alterações de humor, o fio condutor continua sendo as alterações do pensamento
e da percepção.
Mas as coincidências entre o TBH e a esquizofrenia não
param por aí. Estudos genéticos têm demonstrado que as duas doenças podem ter
uma origem comum. Alguns genes de predisposição à esquizofrenia também estão
envolvidos na causa do TBH. Já se sabe, há algum tempo, que o TBH é mais comum
em familiares de esquizofrênicos. Existiria então uma ligação biológica entre
os dois diagnósticos? Estaríamos falando de duas expressões diferentes de uma
mesma doença? Os pesquisadores ainda não conseguiram responder a essas
questões, mas é possível que haja uma ligação causal comum, com modelos de
predisposição semelhantes. Mas as diferenças clínicas e prognósticas (de
evolução) são significativas para mantê-los como dois diagnósticos distintos.
Recentemente antipsicóticos de segunda geração,
medicações até então específicas para a esquizofrenia, ganharam aprovação para
o uso também em pacientes bipolares. As alterações neuroquímicas da
esquizofrenia, como o aumento da dopamina e a desregulação da serotonina e do
glutamato, também acontecem no TBH. Mas estabilizadores de humor, como o lítio,
o ácido valpróico e a carbamazepina, por exemplo, que são eficazes no TBH, não
possuem isoladamente efeito na esquizofrenia. Portanto, ainda há muito a ser
pesquisado e descoberto nesta área.
Um terceiro diagnóstico, um pouco controverso entre os
psiquiatras, aponta para outro transtorno, com características da esquizofrenia
e episódios de humor semelhantes ao TBH, como se houvesse uma sobreposição das
duas doenças. Estamos falando do transtorno esquizoafetivo, considerado por
muitos pesquisadores como parte de um espectro das doenças psicóticas (espectro
esquizofrênico), mas que pode representar um continuum entre dois pólos
diagnósticos, a esquizofrenia e o TBH. O esquizoafetivo tem um prognóstico
melhor do que o esquizofrênico, com menos sintomas negativos, porém pior do que
o bipolar. Contudo, na prática, vemos que as possibilidades de recuperação são
muito variáveis, independentes do diagnóstico e muito mais pautadas nas
qualidades individuais e no ambiente sócio-familiar.
BBortoli ·.·
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